domingo, 9 de outubro de 2011

Como educar seus filhos em casa, no Brasil

Prefácio

Ao conversar com pessoas interessadas em educação domiciliar, uma das questões mais frequentemente levantadas se refere a como alguém deveria agir caso fosse denunciado por estar ensinando os filhos em casa. Diante disso, escrevi este texto para auxiliar e acalmar todos aqueles que estão ou estarão ensinando os filhos em casa, mas temem alguma represália por parte do Estado.

Espero que este material possa ser útil, e aguardo ansiosamente os comentários, críticas e sugestões relacionados a ele. Afinal, apesar de eu ser o autor deste texto, não sou o dono da verdade, e posso estar ignorando considerações importantes com relação aos pontos que abordo. Fiquem à vontade para compartilhar suas visões pois, assim, podemos nos ajudar mutuamente e trabalhar como uma grande equipe em prol da causa da Educação Domiciliar no Brasil.

Mania de perseguição

Antes de entrar nas dicas propriamente ditas, gostaria de tentar desfazer um mito que permeia a mente de quase todo adepto ou simpatizante do homeschooling... Esse mito diz respeito à ideia temerosa de que o Estado é uma entidade maligna que se mantém acordada dia e noite, procurando pais que estejam ensinando os filhos em casa para tirar as crianças deles, mandá-las para um orfanato e prendê-los na cadeia...

Sei que a imagem que descrevi é um pouco exagerada, mas parece que o medo principal de alguns pais é semelhante a isso.

Com efeito, o Governo NÃO ESTÁ por aí procurando pais que ensinam seus filhos em casa. Não há agentes secretos ou espiões indo de casa em casa para ver se as crianças estão nas escolas... O que há é um órgão governamental cuja função é zelar pelo bem-estar da criança – o Conselho Tutelar. Porém, esse órgão não trabalhar com vigilância ostensiva, ao contrário: depende, necessariamente, de denúncias.

Deixe-me usar um exemplo para clarear o que estou dizendo...

A polícia tem como função oferecer segurança à população. Para tanto, agem de forma reativa e preventiva. Reativa quando se trata de apurar denúncias, e preventiva ao policiar a cidade para evitar ocorrências. Já o Conselho Tutelar, tem um caráter extremamente reativo. É claro que esse órgão utiliza estratégias preventivas, mas, no que tange a interferir no cotidiano de uma família ou sujeito, é quase exclusivamente reativo. Diante disso, percebemos que o Conselho Tutelar só irá saber sobre e atuar junto a uma família com problemas caso um terceiro denuncie a irregularidade. E isso se aplica à Educação Domiciliar.

Então, aqui temos a primeira dica: se você está ensinando os filhos em casa, evite ser denunciado. Se você não for denunciado por alguém, não terá qualquer problema por ensinar seus filhos em casa.

Mas, talvez, você pense: “Mas, como eu posso evitar ser denunciado? Isso não está sob meu controle!”. Isso é verdade, mas, até certo ponto, podemos evitar problemas se agirmos corretamente.

Em certa ocasião, recebi um telefonema sobre uma família que estava acompanhando... Eles foram denunciados ao Conselho Tutelar por estar ensinando os filhos via homeschooling. Fiquei muito perturbado e fiz tudo o que podia para ajudar... No fim, tudo acabou bem, mas, ao entender melhor a história, descobri o porquê da denúncia: a mãe da família estava tão contente com o progresso dos filhos, que se gabava para toda a sua família sobre como seus filhos estavam aprendendo mais e mais rápido que as demais crianças. Realmente, a qualidade do aprendizado daquelas crianças era impressionante, mas “jogar isso na cara” das pessoas não adeptas da Ed. Domiciliar gerou um sentimento de menosprezo que culminou com a denúncia – neste caso, de membros da própria família!

Na situação descrita, o problema foi o homeschooling? De forma alguma! Mas, a atitude dos pais em relação à situação educacional de seus filhos foi o catalizador do problema. O orgulho pelo desempenho dos filhos gerou exaltação pública do mesmo, que gerou frustração e descontentamento por parte dos ouvintes, “dando à luz” uma denúncia.

Caso essa família tivesse sido mais cautelosa e discreta, tenho certeza que não surgiria qualquer problema.

Então, se você está ensinando os filhos em casa, seja cauteloso. Não fique anunciando o que está fazendo. Não precisa mentir ou ficar se escondendo dos fatos, mas, meramente, não dê informação gratuita sobre a educação de seus filhos. Se alguém perguntar sobre isso, pode falar, mas explique com calma e humildade. Exponha seus motivos, mas medindo as palavras para não soar como soberba nem como menosprezo daqueles que não fizeram a mesma escolha que você.

Agindo assim, você vai evitar denúncias. E, sem denúncias, o Estado não irá bater na porta para ver como estão seus filhos... Com efeito, se o Conselho Tutelar realmente fosse o “monstro” que pensamos, antes de caçar os homeschoolers, estaria indo atrás para ver se as crianças estão sendo bem alimentadas, se não estão sendo maltratadas, etc.

Não precisamos ter medo de um agente batendo em nossa porta, mas temos que ter medo do que nós mesmos podemos fazer para motivar alguém a nos denunciar.

Vendendo nosso peixe

Agora, pode ocorrer de você ser totalmente discreto e, mesmo assim, alguém te denunciar... Se você tiver uma atitude e postura correta isso será muito difícil, mas pode ocorrer. Nesse caso, como agir?

Primeiramente, após uma denúncia, um agente do Conselho Tutelar irá até a sua casa para averiguar se a denúncia procede. Receba-o bem, sem medo ou agressividade. Explique com calma a situação, usando bastante tempo para demonstrar como a Educação Domiciliar é uma modalidade aceita pelo mundo, mostrar o material que você usa, explicar como é a rotina de estudos dos seus filhos (horários, local de estudo, ações educativas, etc.) e colocar de forma clara e objetiva quais são os motivos que o levaram a optar por esse tipo de instrução.

Um cuidado interessante e funcional é você ter em mãos uma cópia física de documentos oficiais que afirmam ser o homeschooling uma modalidade não-proibida. Esses documentos afirmam que, apesar do ensino em casa não estar regulamentado, essa não é uma atividade ilegal (para baixar esses documentos, clique aqui).

Conheço casos em que famílias denunciadas fizeram exatamente isso: explicaram, mostraram como as coisas funcionam e entregaram uma cópia dos documentos a que me referi acima. Pronto! Não tiveram maiores problemas.

Se você for levado diante de um juiz, mantenha a mesma postura: explique tudo com detalhes e muita calma.

Mas, tanto ao falar com um agente quanto com um juiz, há um cuidado extremamente necessário: utilize argumentos consistentes à favor da Educação Domiciliar!!!

Por que isso é importante? Porque, se você analisar a maioria dos textos que defendem o homeschooling, irá perceber que a natureza principal dos argumentos não é, necessariamente, de apoio à Educação Domiciliar, mas de reprovação ao ensino escolar. Muitos defensores do homeschooling, quando questionados sobre sua opção, limitam-se a criticar e apontar as inúmeras falhas da escola. Com efeito, isso não é sábio, muito menos útil...

Quem trabalha com vendas sabe que uma das premissas básicas da concorrência é que o ofertante deve argumentar a favor de seu produto, e não contra o concorrente. Afinal, mostrar os pontos negativos do concorrente não garante que seu produto seja melhor ou que deva ser escolhido pelo cliente.

Muitas vezes, me coloco no lugar de um juiz... Estou analisando o caso de pais que ensinam seus filhos em casa e eles afirmam: “Meritíssimo, estamos ensinando nossos filhos em casa porque a escola tem um ensino ruim, há muita violência, imoralidade, etc”. Eu olharia bem para os pais e diria: “Ok. A escola é ruim. Mas, isso lhes dá o direito de ensinar seus próprios filhos? Certamente não. Se é esse o problema, procurem uma escola melhor”. Martelo batido, caso encerrado...

Temos que acordar para isso... Se queremos Educação Domiciliar SÓ porque a escola é ruim, então o Estado irá olhar para nós e nos prometer leis para melhorar a escola. E estarão certos, porque irão resolver o que apontamos como problema.

Há dezenas, centenas, talvez milhares de motivos para optarmos pelo homeschooling, então, porque sempre bater na mesma tecla da educação escolar ruim?

Caso você ainda não esteja convencido disso, olhe para essa questão por um outro ângulo...

Tanto o agente do Conselho Tutelar quanto o Juiz são representantes do Pode Público. Quando você fala, diante deles, que a escola é uma “porcaria” e que o Estado quer o monopólio da educação, está atacando justamente a entidade da qual a pessoa na tua frente é representante! Eu sei que não deveria ser assim em um mundo ideal, mas o fato é que aquele que está analisando a situação irá levar para o lado pessoal – ao criticar a escola e o Estado, você está atacando algo que ele considera próximo e próprio de sua pessoa.

Novamente me colocando no lugar do juiz e, por esse motivo, também optaria pela condenação.

Gostaria de uma prova concreta? Analise o áudio da Audiência Pública que ocorreu no ano passado sobre Educação Domiciliar no Brasil... Você irá perceber que o Deputado Wilson Picler, que nunca havia ouvido sobre Educação Domiciliar, começou a se interessar sobre o tema com certa simpatia. Porém, seu discurso parece mudar quando surgem argumentos contra a instituição escolar (para baixar o áudio completo, clique aqui). Seu instinto foi defender algo que valoriza (a escola).

Para termos homeschooling, não precisamos acabar com a escola! Ao contrário, devemos defender o direito de pais enviarem seus filhos para essa instituição se assim desejarem – e que esta tenha um ensino de qualidade!

Então, se você for interpelado sobre os motivos de ensinar os filhos em casa e não mandá-los para a escola, deixe de lado as críticas ao Estado e ao sistema escolar, e utilize um dos outros inúmeros e superiores argumentos. Vou enumerar alguns para que você possa pensar sobre eles:

·                  acompanhamento do desenvolvimento da criança por parte dos pais;
·                  participação efetiva dos pais na escolha “do que” e “como” ensinar;
·                  possibilidade de se trabalhar as aptidões e dificuldades particulares da criança;
·                  possibilidade de se adequar o currículo às concepções filosóficas e religiosas da família;
·                  liberdade para se articular o tempo e o espaço dedicados à instrução;
·                  adequação à escolha de se alfabetizar as crianças, primeiramente, em outras línguas;
·                  desenvolvimento de autonomia intelectual;
·                  etc.

Eu imagino que você deva ter inúmeros outros argumentos favoráveis a essa modalidade. Então, use-os. Defenda a Educação Domiciliar sem, diretamente, atacar a escolar.

Montando uma defesa sólida

Agora, vamos abordar quais argumentos podem ser utilizados caso um processo seja instaurado contra pais que não mandam seus filhos para a escola. Não sou advogado, nem jurista, portanto, posso estar equivocado em algum ponto. Caso alguém veja algum “furo” no que exponho aqui, por favor, me corrija.

Em primeiro lugar, vamos entender o que a Lei diz...

Tanto a Constituição Nacional quanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) não proíbem o Ensino Domiciliar. Ambos os documentos tratam da educação afirmando que ela é direito de todos, e que o Estado e a família devem ser responsáveis pela efetivação da instrução necessária. A Constituição trata dos direitos universais e considerações gerais sobre o assunto, enquanto a LDB determina como o processo de ensino-aprendizagem deve ser efetivado pelo Poder Público. O único equívoco que pode surgir pela redação desses documentos é o fato da expressão “escola” ser utilizada como sinônimo de “instrução oficial”. Neste sentido, não é prevista qualquer obrigação de se mandar as crianças para a escola – mas sim, que se ofereça instrução elaborada e oficial para os pequeninos.

Em segundo lugar, vemos um problema no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)...

Nele é exigido que toda criança seja matriculada. Isto sim pode trazer maiores transtornos para os pais que ensinem seus filhos em casa. Porém, há também alguns mecanismos de defesa:

1.            O primeiro refere-se ao fato de que o ECA exige uma matrícula, não especificando de qual tipo ou em qual instituição. Dessa forma, quem tiver acesso a isso poderá matricular seus filhos em alguma instituição dehomeschooling estrangeira. Essa matrícula irá saciar a exigência da lei;

2.            Caso não seja possível a matrícula em instituição de fora do país, pode-se tentar matricular a criança em uma escola particular que fique responsável por aferir os resultados do processo educativo, mas que o deixa nas mãos dos pais. Havendo o apoio de uma escola que acompanhe o Ensino Doméstico e se responsabilize pelo resultado, é possível manter-se dentro do que a lei exige – apesar disso depender da interpretação do juiz;

3.
            Outro argumento forte é que a suposta exigência do ECA de se matricular uma criança necessariamente em uma escola (apesar do texto não dizer isso explicitamente) se mostra inconstitucional. Uma vez que a Constituição prevê que haja diversidade na educação (seja ela filosófica ou de ordem prática), nenhuma outra lei poderia restringir o tipo de instrução permitida no Brasil a uma só forma de ensinar. Desta forma, o texto do Estatuto não poderia ser interpretado como restringidor, mas apenas como regulador. A interpretação constitucional do texto do ECA seria que o educando precisaria, necessariamente, possuir um registro oficial garantindo que esteja recebendo algum tipo de educação elaborada, seja na escola, seja em casa. Desta feita, a lei estaria exigindo um registro legal, e não que a criança fosse mandada para a escola;

4.
            Por fim, no mesmo sentido do argumento de interpretações não contraditórias, há o fato de que a Declaração Universal dos Direitos Humanos determina que os pais têm o direito de optar pelo tipo de instrução a ser dado a seus filhos – direito este que está acima do Estado! Uma vez que a Constituição e, consequentemente, todas as leis que se submetem a ela devem, necessariamente, estar em acordo com a Declaração Universal, a interpretação de qualquer lei deve levar em consideração a soberania dos pais na escolha de qual modalidade utilizar para transmitir conhecimento aos seus filhos.

Um terceiro ponto é relativo ao muito comentado crime de abandono intelectual. Alguns pais foram acusados desse crime por estarem ensinando seus filhos em casa. Talvez não haja um equívoco maior do que este...

O abandono intelectual se dá quando os responsáveis por uma criança, simplesmente, lhe negam a possibilidade de receber alguma instrução. Quando a criança não vai para a escola por ter que trabalhar, ou quando é proibida de sair de casa, isso sim é abandono intelectual. Porém, no caso do homeschooling, a criança está sim recebendo “alimento intelectual”.

Um pai ser processado por não mandar o filho para escola devido a uma interpretação da lei poderia ser compreendido, porém, um pai que está ensinando seu filho em casa ser condenado por abandono intelectual chega a ser absurdo.

Além desses quatro pontos, há ainda dois apoios que poderiam ser utilizados ao se montar a defesa de pais que tenham problemas judiciais devido à Educação Domiciliar:

1.            Os documentos oficiais citados anteriormente foram expedidos por representantes do Estado e, por isso, possuem força legal. Diante disso, os pais não poderiam ser condenados a menos que esses documentos fossem analisados e desqualificados pelo próprio Estado;

2.
            Há um Projeto de Emenda Constitucional (PEC 444/09) apresentado com o objetivo de regulamentar a Educação Domiciliar no Brasil. Uma vez que não há, ainda, uma legislação específica para essa modalidade (nem proibindo, nem permitindo explicitamente), poderia ser sugerido que o processo fosse interrompido e retomado somente após o resultado da análise e votação desse Projeto de Emenda Constitucional – afinal, a aprovação ou não dessa Emenda determinaria o que seria permitido ou não com relação ao homeschooling.

Caso nenhum destes argumentos surtam efeito, os pais devem levar o processo para a próxima instância. Caso seja necessário, levem o caso para frente, progressivamente, até chegar ao Supremo. Não desistam! Recorram de todas decisões, se for necessário. Sabemos como as brechas da legislação, muitas vezes, beneficiam pessoas corruptas, então, por que não utilizá-las para uma boa causa? Peçam recurso sobre recurso, apelem para quem for necessário. Devemos agir dentro da lei, mas utilizando todos os recursos que ela nos oferece!

Por fim, gostaria de dizer que, se pararmos para analisar, perceberemos que não é interessante ao Estado gastar tempo e recursos processando grande parte da população por estarem ensinando seus filhos em casa. Hoje, vemos pessoas sendo julgadas e condenadas por isso, mas não são muitas. Imaginem se 100 ou 200 família estivessem sendo julgadas por causa do homeschooling... Isso seria uma grande dor de cabeça para o Estado. E, se cada uma dessas famílias levasse os processos até a última instância, utilizando todos os recursos possíveis, com certeza nossos políticos perceberiam que seria mais prático simplesmente regulamentar a modalidade em nosso país (foi exatamente isso que ocorreu nos EUA).

Sei que sofremos do mal da falta de memória política, mas parem e pensem um pouco... Lembrem-se de quantas leis foram modificadas porque em seu primeiro estado deram muito trabalho ou requiriram muito custo do Governo...

Poslúdio

Pessoalmente, creio firmemente que os pontos apresentados aqui poderão ser de grande valia para todos que estão ensinando seus filhos em casa ou pretendem fazê-lo. Mas, caso você realmente tenha problemas legais, não desanime nem se desespere. Busque auxílio de bons advogados e de outras pessoas que, como você, são adeptos da Educação Domiciliar.

E um último ponto que gostaria de abordar: não se cale! Muitas vezes, estamos com tanto medo de sermos expostos e reprimidos pelo Estado, que nos calamos, nos escondemos e fingimos que não existimos. Os políticos olham para o país e dizem: “Por que deveríamos legalizar esse tal de homeschooling? A população não tem interesse!”.

Não sou favorável a movimentos radicais ou revoluções violentas, mas sou sim a favor de sermos ouvidos, de sairmos da toca e mostrarmos que estamos aqui – e que somos muitos!

Seja por preocupação legítima ou por interesse político, nossos governantes só vão nos atender se virem que estamos aqui. Então, de forma anônima ou não, mostre que você quer Educação Domiciliar no Brasil.

Independentemente de sua visão política, desconsiderando totalmente as divergências filosóficas, seja lá quem forem nossos Deputados, Senadores e Presidente, eles precisam saber que estamos aqui, que gostaríamos de mudanças, e que essas mudanças não irão refletir meramente na esfera pessoal e particular, mas numa transformação social que será benéfica para toda a nossa amada nação.

Obrigado por seu apoio e pela paciência ao ler tudo isso!

Um forte abraço!





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